Edição e texto: Dairan Paul
Crédito das imagens: Ricardo Torres

A penúltima entrevista realizada pelo objETHOS durante a 14ª SBPJor é com o professor Edgard Patrício, da Universidade Federal do Ceará (UFC). Você também pode ler as conversas anteriores com Danilo Rothberg (Unesp), Leonardo Foletto (UFRGS), Gisele Reginato (UFRGS) e Josenildo Guerra (UFS).

Patrício é jornalista e possui doutorado em Educação, também pela UFC. No artigo Ética e transformações no jornalismo, o pesquisador realiza uma “cartografia da ética” a partir de entrevistas com 15 jornalistas cearenses para mapear suas percepções sobre os deslizes que cometem no cotidiano. Temas como interesse econômico, relação com as fontes e anonimato perpassaram as respostas.

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Na entrevista a seguir, Patrício comenta alguns dos resultados de sua pesquisa, além de discorrer sobre o ensino de ética na universidade e as mudanças no mercado do jornalismo. Confira:

objETHOS: Em relação à inserção de novas tecnologias, e da mudança de suporte do jornalismo para a internet, o senhor observa que há novos dilemas éticos na profissão? Ou revivemos antigos conflitos?

Edgard Patrício: Eu acho que a predominância é de velhas questões que reaparecem com o surgimento e a implementação de novas linguagens. Por exemplo: a questão da checagem de informação no processo de apuração jornalística. Desde que o jornalismo existe, há também a possibilidade de você cometer alguns deslizes éticos por conta de não ter checado a informação que foi passada pela fonte. Uma das coisas que vai potencializar o cometimento desse deslize ético é exatamente a velocidade com que a circulação da informação produzida pelo jornalismo tem que acontecer hoje. Essa velocidade, desde o procedimento de conhecimento da informação até a sua disseminação, encurtou muito. Quando você trabalhava só com a linguagem do jornalismo impresso, você teria um dia para formular essa produção do jornalismo. Hoje não, você tem que ser quase instantâneo. Então, de certa maneira, o fortalecimento dessa linguagem, vinculado ao jornalismo online, tem reforçado ou potencializado o cometimento de deslizes éticos. Agora, se há algum dilema específico do online, eu ainda não sei. Pode ser que sim. É uma boa análise pra gente fazer.

objETHOS: Em artigo, o senhor questiona se, no jornalismo, “estaríamos fadados a conviver com éticas ‘individuais’”, no sentido de que há um paradoxo destas com a responsabilidade social da profissão, vinculada ao coletivo. De que modo o ensino da ética nas universidades pode ultrapassar essa barreira dicotômica?

Patrício: Quando fui designado para ministrar a disciplina de Ética, na primeira aula dei a ideia de que nada melhor do que os próprios responsáveis pela produção do jornalismo para discutir essa relação entre ética e práticas jornalísticas. A partir dos depoimentos dos jornalistas recolhidos pelos alunos, ficou muito explícita essa relação entre o individual e o coletivo, na perspectiva, por exemplo, de você ter uma profissão que tem uma relação direta com o interesse publico, mas que ao mesmo tempo incorpora dentro dessa prática toda a sua formação pessoal, a partir da família, dos amigos, professores e colegas. Então fica difícil inclusive de você compreender essa questão dentro de uma relação dicotômica. Outra discussão que a gente fez foi o conceito de ética para o jornalista, porque muitos incorporam o conceito como sinônimo de moral – e aí a questão individual, das influências, será muito forte. Se a gente parte da perspectiva da ética como uma questão da filosofia, então ela teria princípios únicos. Mas quando você vincula a questão da moral, isso já toma outro rumo.

objETHOS: Qual é o grande conflito ou dilema ético que o jornalismo enfrenta na contemporaneidade?

Patrício: É complicado você estabelecer qual seria o maior diante de uma categorização inicial. Vou partir do trabalho onde eu identifico algumas categorias específicas em torno dos deslizes éticos. A mais representativa, me parece, é a questão do erro da informação, e isso tá muito vinculado ao processo de checagem e apuração dentro da produção jornalística. Mas isso é muito específico. Outra categoria que eu trabalho é o relacionamento do jornalista com a fonte. Então, dentro de um corpus de determinada dimensão, seria o erro da informação, mas eu não posso dizer que ele é, hoje, o maior deslize ético cometido.

objETHOS: Como a pesquisa em jornalismo pode ajudar a repensar esse dilema?

Patrício: A análise que nós, enquanto jornalistas, fazemos da cobertura jornalística é uma metacrítica do jornalismo. Essa é uma perspectiva de contribuição, lógico. Mas aí eu questiono: como essas nossas pesquisas estão chegando aos veículos de comunicação e aos jornalistas que não são pesquisadores? Você vê uma dificuldade dos jornais em assumirem os seus erros. É por isso que eu gosto desse material que conseguimos reunir, porque os jornalistas assumiram realmente os problemas que tiveram, por uma causa ou outra, dentro do processo de produção do jornalismo, o que tangenciou a questão da ética. Se você observar a dificuldade que os veículos têm em estampar um “erramos”, trata-se também de uma perspectiva vinculada à falta de autocrítica em relação aos procedimentos éticos. Se o “erramos”, que é uma coisa simples, é tão difícil de ser publicado, imagine os erros mais complexos. Ainda assim, acho que essa questão da própria circulação da informação e da população estar mais atenta ao que está sendo veiculado também pode contribuir para que essa autocrítica aconteça. Então, se por um lado existe essa dificuldade dos veículos em assumirem esse erro, por outro eu acho que eles estão mais abertos à vigilância que vem de fora, em relação a quem consome essa informação.

objETHOS: Você acha que as redações, tal como as concebíamos no início do século, estão preparadas para esses desafios?

Patrício: De onde viria o preparo das redações? Se você pensa, por exemplo, nos profissionais que estão ingressando agora no mercado, eles têm um vínculo ainda muito forte com a formação que é feita nas universidades. Será que as universidades estão preparadas para essas novas dimensões nas redações de produção do jornalismo? Eu acho que, de alguma forma, a gente tenta fazer essa aproximação, especialmente com o mercado. Não no sentido de se tornar refém dele, mas ter um diálogo, uma discussão. Lógico, temos que apresentar também as alternativas, e isso hoje fica mais evidente. Quando você se gradua, você não tem que necessariamente ser vinculado a uma grande empresa de comunicação, mas pode abrir a sua própria. E dentro da sua empresa, quais serão as relações de trabalho desenvolvidas? Você forma uma cooperativa com cinco colegas que terminaram juntos o curso de jornalismo, por exemplo. Será que vai ter precarização do trabalho dentro dessa cooperativa? Será que esse termo, precarização do trabalho, pode ser colocado da mesma forma dentro de uma grande empresa de comunicação e dentro de uma cooperativa com cinco recém-formados, sem financiamento, que precisam se sustentar? Isso é precarização também? São questões que nós temos que discutir. Isso está vinculado, por um lado, à dimensão formadora do jornalismo, que acontece principalmente na universidade, mas também na convivência com profissionais mais antigos de redações, por exemplo – embora hoje as empresas estejam tentando demiti-los para pagar salários mais baixos. E há também uma nova feição das empresas jornalísticas como, por exemplo, promover eventos. Como fica essa questão do que não é o jornalismo propriamente dito, nos seus fundamentos e princípios? A formação na universidade dá conta disso? Eu acho que ela pode, em grande parte.