Rogério Christofoletti
Professor da UFSC e pesquisador do objETHOS

A dois dias da sessão que pode cassar a chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral e com a prisão, no sábado (3), de um dos principais homens do presidente, os maiores jornais brasileiros publicaram neste domingo, 4, editoriais de contenção. Receando que algum ministro peça vistas e postergue a decisão no TSE ou que outras manobras aconteçam, O Globo e Folha de S.Paulo destacaram a importância histórica da ocasião, fazendo carga para que o roteiro não sofra modificações. O Estado de S.Paulo, por sua vez, preferiu outra tática, envolvendo-se ainda mais nos tentáculos do governo Temer, o que pode se revelar um autêntico abraço de afogados.

Como se sabe, em situações de grande desespero, não se pode deixar que alguém que afunda se ampare em seu salvador. As chances de ambos irem para as profundezas são grandes. Mas o centenário jornal paulistano honra mais uma vez sua fidelidade canina ao governo, o que pode ser encarado como coerência, subserviência ou miopia, depende de onde se olha…

No editorial deste domingo, intitulado “O que precisa ser esclarecido”, O Estado de S.Paulo preferiu não dar o peso condizente à sessão do TSE da próxima terça, dia 6, quando está previsto o julgamento das quatro ações que pedem a cassação da chapa Dilma-Temer. Mais importante é questionar a celeridade de Rodrigo Janot em pressionar Temer: a “diligência do procurador-geral da República, que deseja colher o depoimento do presidente Michel Temer o quanto antes, contrasta com sua atuação a respeito do áudio que registrou a conversa entre Temer e Joesley Batista”.

O Estadão tenta chamar a atenção de seus leitores para outro lado, como se buscasse distrair do que realmente é urgente no momento. Abandonando a factualidade, um capítulo importante das gramáticas jornalísticas, o jornal coloca suspeitas sobre as ações daquele a quem cabe oferecer denúncias, o chefe do Ministério Público. Não podemos nos dar ao luxo da ingenuidade, e é claro que fatores políticos podem estar influenciando a velocidade de Janot, mas por que o Estadão só decidiu levantar a voz agora?

Vou desenhar para ficar mais fácil: uma coisa é o que estará sendo julgado no TSE na semana que começa e outra é o que se tem a partir da delação do dono da JBS. A primeira está de olho em possíveis crimes cometidos antes, e a rapidez da PGR que o jornal estranha não invalida o que estará em decisão pelos ministros eleitorais. Sua comprovação pode até agravar o quadro terminal de Temer. Sem condições materiais ou argumentativas, o Estadão não chega a defender Temer ou de anular as muitas provas que colocam a cabeça do presidente na mesma condição em que esteve a de Dilma Rousseff. A alternativa é jogar suspeitas sobre o acusador, de forma a perdermos de vista o acusado.

Mudança de curso?

O Globo apela para a vaidade dos ministros com o editorial “O TSE diante da História”, e exorta para que a corte seja coerente e cumpra o que determina a legislação. Trocando em miúdos: casse a chapa e, consequentemente, retire Temer da presidência. O diário carioca reconhece os solavancos que a decisão pode causar, mas se agarra à Constituição como tábua definitiva de salvação. “Este jornal está sendo coerente com o que pensa desde o início da crise. Quando a Câmara aprovou o impeachment da presidente Dilma, nosso editorial previa: ‘A votação final do impeachment, no Senado, independentemente do resultado, não será o desfecho da crise. Deve-se ser realista. Em qualquer hipótese, ela deverá persistir. Pode-se lamentar esse prognóstico, mas não temê-lo. Porque a Constituição continuará a indicar o caminho para a superação dos males que afligem os brasileiros.’”

Segundo O Globo, a Constituição tem todos os caminhos, e cassar Temer poderá levar a outros desenlaces. O jornal tem pressa: “Desde que as ações ingressaram no tribunal, já lá se vão dois anos e meio. É tempo de julgar. Pedidos de vistas são normais, mas protelações em processo tão longo e urgente, não. O Brasil tem de ultrapassar essa etapa. Este jornal não tem dúvida de que todos os ministros do TSE, julgando a favor ou contra, agirão segundo as suas convicções, tendo em mente as leis, a nossa democracia. E cumprindo o dever que a nação lhes outorgou”.

A Folha publica um de seus editoriais mais hesitosos dos últimos tempos. “Sem Temer” – assim mesmo com a inicial maiúscula – pode levar a crer que o jornal esteja defendendo a saída urgente do inquilino do Palácio do Jaburu, mas isso é feito com grande constrangimento dos editorialistas. “É com desalento que esta Folha, portanto, considera recomendável a cassação da chapa e o afastamento do presidente. Seria a segunda interrupção de mandato em pouco mais de um ano”. O jornal lembra que defendeu a renúncia de Dilma em 2016, mas “evitou apoiar seu impeachment”. As provas apresentadas não eram lá muito robustas e tal… Como já destaquei anteriormente no objETHOS, não havia nenhum entusiasmo da Folha pela opção das eleições diretas, vocalizada por parte considerável da população. Apesar disso, o jornal em seu editorial deste domingo diz já ter declarado “simpatia pelas emendas constitucionais que convertem a eleição indireta em direta nos casos de vacância verificada até seis meses ou um ano antes de o mandato expirar”. Argumenta que “não seria casuísmo, dado que mudanças constitucionais são comuns na vida política brasileira”. Apesar disso, conclui o texto de maneira quase esquizofrênica: “Em algum momento, decerto nas eleições gerais de 2018, o caminho adotado será submetido ao escrutínio popular. Por ora, o mais importante, com ou sem Temer, é que governo e Congresso persistam nesse rumo, único capaz de nos livrar da recessão e preparar um futuro mais próspero e promissor”. Então, a Folha tem “simpatia” pelas diretas, não “defendeu” o impeachment de Dilma, pede a cassação da chapa de Temer e espera que as coisas se resolvam no ano que vem. Entendeu? Nem eu!

Nesse mar revolto que é o Brasil, o cenário é de um autêntico salve-se-quem-puder. O Globo alimenta uma fé inquebrantável à Constituição, como se agarrasse a uma tábua (madeira de lei!); o Estadão se abraça a Temer e com ele pode se afogar; já a Folha parece desorientada e à deriva…