Amanda Souza de Miranda
Doutoranda no POSJOR e pesquisadora do objETHOS
O professor do Departamento de Mídia e Comunicações da London School of Economics and Political Science, Nick Couldry, é um pesquisador muito conhecido pela abordagem crítica ao mercado de mídia. Principalmente às grandes corporações que acabam por encarar o lucro como o ponto final da sua linha de produção. Autor de dezenas de livros e de artigos que questionam a marginalização de vozes dissonantes às elites na mídia, ele agora se mostra preocupado com a emergência de gigantes como Google e Facebook, que podem permitir que vozes emerjam, mas com o único objetivo de gerar tráfego de dados – outra de suas questões mais recentes.
Segundo o professor, esses dados captados digitalmente podem afetar o processo de produção das notícias, impactando na ética da produção e pondo em risco o ideal cada vez mais distante da separação Igreja-Estado (uma metáfora que compara a necessidade de manter o departamento comercial separado das redações).
Nessa entrevista, respondida por e-mail, ele fala sobre esses e outros aspectos que percorrem sua vasta contribuição teórica ao campo da mídia, da ética e da política.
O senhor aponta a dupla identidade das grandes corporações de mídia, que são disseminadoras de conteúdo, mas também são o mercado. Com relação ao jornalismo, como isso pode impactar na ética dos profissionais?
A ética da produção é necessariamente impregnada pelas necessidades do mercado, as necessidades das corporações de mídia. A divisão igreja-estado deveria prevenir a excessiva influência do mercado na produção de notícias, mas isso está sob ameaça, pelo menos nos Estados Unidos, como mostra o livro de Joseph Turow “The Daily You” (2011). Sem essa divisão, há pouco o que se se fazer quanto à forma como as notícias são moldadas em direção à perspectiva de se atrair mais anúncios e outros subsídios através dos dados gerados por uma história em detrimento da outra, lançada de modo diferente. Isso aponta para uma possível degradação das notícias, a um longo prazo, por conta do valor líquido do mercado da produção de dados.
O senhor reconhece que a noção que a mídia nos dá acerca do mundo é formada por um conjunto estreito de perspectivas e de vozes. Por que isso acontece? Seria resultado das rotinas de produção jornalística ou de uma clara intenção do mercado em não abrir espaço às contra-narrativas?
A rotina é importante: a necessidade de os jornalistas continuarem retornando às fontes próximas que lhes ajudam. E isso nunca irá mudar, mas há também fatores mais profundos: a dificuldade de entender vozes periféricas, ou de situá-las rapidamente como um extremo, a ponto de não merecerem ser ouvidas nos seus próprios contextos. Ainda que isso seja um problema antigo, é possível que novas possibilidades abertas pelas mídias sociais permitam que se escute vozes que jamais eram ouvidas em outros modelos, pelo menos levando em conta suas identidades culturais, mesmo que talvez não sejam identidades políticas.
Muitos grupos de comunicação no Brasil adotam posições bastante normativas ao falarem sobre ética jornalística, mas na prática são empresas em busca de lucro. Como essa contradição pode impactar a vida de um cidadão que busca informação de qualidade?
A ética precisa ser prática. Caso contrário, simplesmente gera mais desconfiança e mina a legitimidade das instituições midiáticas a longo prazo. Códigos de ética que não podem ser seguidos só geram cinismo junto ao público. Os cidadãos precisam de mais oportunidades para verificar a precisão das notícias apresentadas a eles, e atualmente eles têm poucas chances de fazer isso por parte das empresas de mídia. Isso poderia e deveria mudar, por exemplo, com os jornalistas apresentando suas fontes através de links de hipertexto.
O senhor tem apontado a influência de grupos como Google ou Facebook nas narrativas contemporâneas. Acha que essas empresas podem, de alguma forma, expandir o espaço das narrativas alternativas e dar mais voz às pessoas para além do modelo neoliberal?
O Google e o Facebook são grandes corporações assumindo uma função muito generalista: eles proveem, se você preferir, “espaços de espaços”. É difícil excluir as contra-narrativas em erupção nesses tantos espaços, embora hoje existam pressões para fazer isso como parte das medidas antiterrorismo. Mas mesmo se Google e Facebook permitissem que mais vozes fossem ouvidas em outros lugares, é um equívoco acreditar que eles fariam isso porque interesse em promover a diversidade. Eles não têm: simplesmente querem promover mais tráfego, não importa a causa. Não há comprometimento com a diversidade e a saúde do cenário jornalístico.
O senhor defende que a mídia só vai contribuir para o progresso social se as oportunidades de acesso e de produção de conteúdo forem compartilhadas de modo mais justo. Como isso seria possível? Há algum exemplo prático a destacar?
Um exemplo poderiam ser os casos onde a mídia é mais inclusiva e contribui para a mudança social. Mas esses exemplos tendem a aparecer em pequena escala, como no excelente trabalho de Clemencia Rodriguez em mídias locais cidadãs na Colômbia.
Nossos países (Brasil e Inglaterra) enfrentam diferentes questões contemporâneas. Aqui, temos uma crise política agravada com o impeachment da presidenta eleita, Dilma Rousseff. Na Inglaterra, há toda a questão relacionada ao Brexit, imigração e terrorismo. Seus trabalhos indicam que é inevitável que a mídia participe desses momentos. Qual a sua avaliação sobre a mídia da Inglaterra diante destes grandes temas?
Hoje, os limites da imprensa no Reino Unido para ajudar a democracia estão muito claros. As pessoas estão se voltando para as mídias sociais como compensação, mas o que circula nesses espaços é frequentemente aquilo que é mal digerido pela mídia tradicional ou opiniões completamente não checadas. A desconfiança nos padrões éticos da mídia dominante leva ao desencanto geral, e assim as pessoas podem mesmo se desligar das notícias, mas isso não muda nada para melhor: os negócios de mídia simplesmente continuam, cada vez mais sujeitos às pressões de criação de dados. Isso gera a ilusão de que temos uma mídia crítica que apoia a democracia, o que não é real.