Luis Alberto Fernandez Silva
Doutorando no POSJOR e pesquisador do objETHOS 

“A liberdade exige uma vigilância persistente,
a conquista de direitos é uma luta constante..”
Sueli Carneiro

Recentemente, uma matéria do jornal cubano Trabajadores, de 3 de julho, denunciou um ato de discriminação racial que transcendeu a rede, e não foi apenas para mostrar este tipo de fenômeno social que ocorre diariamente na sociedade cubana, mas pelo estilo em que foi abordado, longe do tradicional tom educativo e reflexivo da imprensa oficial na ilha.

No entanto, a matéria não foge à análise simplista e parcial que caracteriza a cobertura dada pela mídia estatal à sociedade cubana, sendo incapaz de mostrar a partir de sua complexidade e contradições. É como se a imprensa oficial ainda não tivesse aprendido que o sistema social local, por muitos anos, deixou de fazer parte do universo onírico que divulgou por tantas décadas.

Este trabalho jornalístico, de caráter predominantemente expositivo, é reduzido ao ato de denunciar o fenômeno em seu conflito aparente (o taxista que força a passageira a sair do carro por sua cor da pele) e não tendo em conta as diferentes interseccionalidades (cf. Crenshaw, 2010) que convergem neste ato. A matéria esquece que uma manifestação de discriminação racial constitui também um ato de opressão contra as mulheres, o que silencia e carece de uma análise sensível ao gênero, conseguindo apenas reproduzir a vitimização das mulheres contra ações da masculinidade hegemônica (Cornell, 2013). O material de imprensa também não consegue visualizar e chamar a atenção para as diferenças de classe que, cada vez mais, tornam-se presentes nas relações sociais da sociedade cubana. As mudanças econômicas dos últimos anos – como a modernização do modelo econômico e a promoção do auto-emprego – resultaram em diferenças no poder de compra de muitos cubanos, o que facilitou a demarcação das fronteiras de caráter classista na sociedade. Esta é talvez uma das razões que contribuem para o fortalecimento do taxista independente sobre a sua passageira.

Apesar dessas deficiências na análise, a matéria fornece um alerta para os níveis elevados alcançados por certos flagelos da sociedade cubana, mostrados por estudos acadêmicos desde os anos 1990 e que realçaram o ressurgimento de práticas sociais negativas, como a prostituição, a corrupção, o racismo, em contraste com a presença de uma grande rede institucional para erradicá-las.

Mas qual o papel do jornalismo na erradicação desses males numa sociedade que, durante décadas, se autoproclamou como uma panaceia para todos os sistemas sociais?

Embora seja verdade que Cuba é um país com grandes vantagens na ordem social, o que se expressa numa série de instituições que regulam os projetos sociais da ilha, esta mesma peculiaridade é a sua grande fraqueza. O fato dessas instituições estatais serem regidas por leis de subordinação marcante às estruturas de poder político causa invisibilidade e silenciamento de determinados fenômenos ou contradições sociais como as apontadas aqui. Isso também reduz o debate e as manifestações de denúncia ao ambiente institucional o que ameaça uma participação mais inclusiva.

Este contexto favorece que o jornalismo emerja como uma plataforma para a exibição de cada um desses males e promova o debate na esfera pública para identificação, enfrentamento e sua erradicação. Mas para alcançar essa condição, deve ter uma prática profissional apoiada por argumentos sólidos e análises mais aprofundadas da sociedade, que não só mostre seus sucessos e pontos fortes, mas suas fraquezas e contradições. Uma sociedade formada por indivíduos distintos e plurais, e não por militantes comunistas e não-militantes.

O jornalismo de Cuba está destinado a se tornar veículo para facilitar a ressonância e a visibilidade da diferença, da diversidade e da pluralidade, constituintes de uma sociedade que é resultado de uma mescla multicultural. O jornalismo de Cuba está destinado a ser cão de guarda das conquistas  e a consolidar-se como uma plataforma para a participação, a emancipação e a tolerância, onde os males e negatividades sociais não desapareçam no trânsito da cidade como o taxista racista e misógino de nossa história.