Tânia Regina de Fáveri Giusti
Mestranda no POSJOR e pesquisadora no objETHOS
Esta semana, o Brasil e os meios de comunicação voltam sua atenção para a Reforma da Previdência (PEC287/2016) que, ao que tudo indica, deve ser votada em plenário na próxima segunda-feira, dia 18. Para alcançar o resultado que almeja, o presidente Michel Temer (PMDB) usou diversas estratégias políticas e de comunicação. Não vamos nos ater aos acertos políticos duvidosos, como a concessão de cargos e emendas, mas as formas de comunicar o projeto – construído sem a participação popular – à população brasileira.
Como profissionais da comunicação, não podemos deixar de refletir sobre a forma como as propagandas institucionais foram utilizadas, em meios de comunicação de todo o Brasil. Se por um lado, nos programas jornalísticos compromissados com a verdade, especialistas e entidades com opiniões plurais são ouvidos, de outro, vozes simpáticas e convincentes, anunciaram ao longo dos últimos meses, em diversos meios, que “a reforma não afetará em nada os benefícios dos trabalhadores”.
Desde novembro de 2016, quando a primeira peça publicitária foi lançada, o governo tenta sensibilizar a opinião pública pela aprovação da matéria. Com o slogan “ou reforma a Previdência, ou ela quebra”, se insiste na tese de que a reforma é a única saída para salvar a aposentadoria dos trabalhadores.
É de conhecimento geral que a administração pública precisa respeitar os princípios da impessoalidade. A constituição é clara quanto às publicidades oficiais, sendo que a mesma deve ser voltada ao bem estar da população, a quem cabe o controle efetivo das ações e dos administradores, inclusive aquelas praticadas com a finalidade de divulgação. Por entender que a propaganda lançada pelo Governo disseminava informações enganosas, o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) entrou com uma representação no Ministério Público Federal (MPF) contra Michel Temer. Além das informações inverídicas, o processo ainda atribui à peça publicitária crimes como “desvio de finalidade na publicidade, já que se trata de uma proposta em debate e que não pode ser objeto de publicidade governamental”.
Vendo que a primeira cartada não positivou o assunto, a Secretaria da Presidência da República apelou em abril de 2017 para um robusta liberação de recursos para a campanha pró-reforma. Foi neste mês que o Governo comunicou um orçamento de R$180 milhões para publicidade de uma nova campanha para a reforma da previdência em rádio, TV, jornais e internet. A estratégia foi revelada em reportagem do jornal O Estado de S.Paulo publicada em 10 de abril de 2017. Os que fornecessem apoio editorial, vendendo a proposta da reforma de forma positiva, ganharam direito à publicidade federal, afirmou o jornal.
A matéria ainda traz a informação de que os responsáveis por indicar quais meios seriam beneficiados seriam deputados federais e senadores que, de olho na eleição de 2018, contataram imediatamente os donos de mídia de seus estados, alguns, pasmem, beneficiaram os seus próprios veículos. Com os recursos federais garantidos, esses políticos têm mais espaço para aparecer na imprensa, e espaço midiático, nos termos da previdência, significam votos a favor do projeto.
Já em novembro, as emissoras de tevê passaram a veicular uma nova peça. Com um minuto de duração, o texto ataca o que diz ser “privilégios” dos servidores públicos, afirmando que “tem muita gente no Brasil que trabalha pouco, ganha muito e se aposenta cedo”. Com o valor de R$20 milhões, a peça foi alvo de críticas de vários setores.
Enganosa, mas protegida pelo judiciário
Os resultados da CPI da Previdência, divulgados em outubro, comprovam que não existe déficit. Segundo o presidente da Comissão, senador Paulo Paim (PT/RS), “a CPI constatou que o sistema é superavitário. O relatório, aprovado por unanimidade, desconstrói os discursos de que ela é deficitária e que em pouco tempo não haverá dinheiro para pagar as aposentadorias. Portanto, a reforma é desnecessária”. A CPI não recebeu ampla cobertura da imprensa, evidenciando a cobertura seletiva e a sintonia entre os donos da mídia x Governo Federal.
O texto que atrela o grande rombo quase que exclusivamente aos servidores públicos, e que amparou a criação da campanha publicitária de novembro, também foi alvo de denúncias. A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) formalizou denúncia, que foi acatada em 30 de novembro pela juíza substituta Rosimayre Gonçalves de Carvalho, da 14ª Vara Federal de Brasília, que determinou a suspensão da propaganda. A magistrada colocou que a peça “influenciará indevidamente na formação da opinião pública sobre tão relevante tema que, por sua gravidade, não deveria ser assim manipulado”. Além disso, ela classificou a propaganda como “ofensiva e desrespeitosa a grande número de cidadãos dedicados ao serviço público”. A Advocacia Geral da União recorreu e, no dia seguinte, o presidente do Tribunal Regional Federal da 1a Região, Hilton Queiroz, suspendeu a decisão judicial afirmando que configura “grave violação à ordem pública” e evidencia “explícita violação ao princípio constitucional da separação de poderes”.
Segundo o site Jota, esta não foi a primeira decisão judicial contra as propagandas oficiais do Governo sobre reforma da previdência. Em março, uma juíza federal a 1ª Vara de Porto Alegre suspendeu a publicidade oficial. A Advocacia Geral da União (AGU) recorreu da decisão, mas o TRF da 4a Região manteve suspensa a campanha a pedido do Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal no Rio Grande do Sul (Sintrajufe).
Publicidade estatal e transparência
A TV é o principal meio de informação para 63% dos brasileiros. O índice sobe para 89% se considerarmos o principal ou o segundo meio de informação, segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia 2016, da Secretaria de Comunicação da Presidência da República. As emissoras são canhões que bombardeiam diariamente a opinião pública. O Governo, que detém a concessão de uso das mesmas, tem influência direta e expressiva, principalmente, quando precisa de apoio público. É importante ressaltar que as emissoras de tevê receberam a maior fatia do bolo na distribuição de publicidade da reforma da previdência. Dos R$ 100 milhões gastos entre janeiro e junho, as TVs ficaram com R$ 57 milhões, as emissoras de rádio com R$ 19,3 milhões, mídia exterior R$ 10,7 milhões, internet R$,9 milhões, jornal R$ 4,5 milhões e revista R$ 3,8 milhões. No entanto, nos dados disponibilizados pelo Governo, não há menção das empresas a que as verbas foram destinadas.
O falso déficit, que conduziu grande parte da cobertura jornalística ao longo dos últimos meses, mesmo tendo sido desmascarado pela CPI da Previdência, segue sendo disseminado por grandes veículos, como as Revistas Veja e IstoÉ, que nesta semana decisiva, reforçaram em suas pautas a importância da aprovação da medida.
É sarcástico falar em democracia ou em distribuição igualitária de verbas, em um país onde a mídia está concentrada nas mãos de poucas famílias. O Monitoramento da Propriedade da Mídia (Media Ownership Monitor/MOM) elaborado pelo Repórter Sem Fronteiras e Intervozes, divulgado em outubro, trouxe ao Brasil um alerta vermelho, uma vez que o sistema de mídia do país mostra alta concentração de audiência e de propriedade, alta concentração geográfica, falta de transparência, além de interferências econômicas, políticas e religiosas. No caso da Reforma da Previdência, os oligopólios de mídia já se posicionaram de forma clara no jogo político, não medindo esforços para divulgar a agenda sugerida pelo Governo.
Enquanto não progredimos e ampliamos o debate sobre a criação de um marco regulatório da comunicação, seguiremos assistindo, de mãos atadas, a distribuições esdrúxulas de verbas publicitárias, veiculadas por grandes lobos – travestidos de cordeiros – com o objetivo de arrematar a ingenuidade e os direitos do povo brasileiro.