Por Tânia Giusti
Mestra em Jornalismo pelo PPGJOR/UFSC e pesquisadora do objETHOS
O jornalismo profissional nunca foi tão valorizado quanto atualmente. Foi preciso o mundo mergulhar no caos de uma pandemia, para que a nossa profissão, essencial para a tomada de decisões cruciais, vivesse o seu apogeu e recuperasse sua confiança para com a sociedade.
Dados de março do Instituto Datafolha, apontam confiança no jornalismo profissional no atual momento de crise. TVs e jornais lideram o índice de confiança em informações divulgadas sobre a pandemia, com 61% e 56%. Programas de rádio e sites de notícias, com 50% e 38%, respectivamente, vêm na sequência. Por outro lado, só 12% das pessoas dizem confiar no que é compartilhado por WhatsApp ou Facebook.
Considerado uma atividade essencial em todos os decretos publicados por estados brasileiros, e no Distrito Federal, jornalistas não entraram em quarentena. Pelo contrário, em home office, com diversas precariedades e desafios, muitos seguem trabalhando de casa. Já outros colegas continuaram nas redações, protegidos quando possível, mas sempre expostos, desempenhando suas funções, essenciais para a manutenção da saúde pública.
Ontem, 3 de maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, muitos pronunciamentos mundo afora lembraram da importância do jornalismo no combate ao coronavírus. Em mensagem divulgada em formato de vídeo, no dia 30 de abril, em alusão à data, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, pediu apoio aos trabalhadores do setor. “Jornalistas e profissionais da mídia são cruciais para nos ajudar a tomar decisões informadas. À medida que o mundo luta contra a pandemia da Covid-19, essas decisões podem fazer a diferença entre a vida e a morte”, enalteceu.
O jornalismo, principalmente o de serviço ou de utilidade pública, que traz informações precisas sobre clima, finanças, alterações no trânsito, nunca foi tão valorizado como agora. Com a pandemia, a população, tão acostumada a se informar pelas mídias sociais, buscou nos veículos profissionais, informações sobre alterações no transporte público, o que fazer em casos de suspeita de contaminação, e até conteúdos sobre como se entreter sozinho ou em família, passando tanto tempo em casa.
As coberturas sobre a situação pandêmica também têm abordado outros pontos extremamente importantes para além da saúde: os danos ainda mais graves às famílias em vulnerabilidade, o aumento do desemprego e a dificuldade do acesso à itens básicos por milhares de pessoas. Sem esquecer que, mesmo que a pauta constante seja a covid-19, outros fatos e informações de interesse público continuam acontecendo, e, novamente, os jornalistas têm abraçado a jornada.
Antídoto contra a desinformação
O jornalismo é o porta-voz da informação qualificada. Com a pandemia, uma série de boatos sobre o tema percorreu o mundo, o que para a ONU, gera uma segunda pandemia, a da desinformação. “À medida que a pandemia se espalha, dá origem também a uma segunda pandemia de desinformação, desde conselhos prejudiciais à saúde até teorias conspiratórias ferozes. A imprensa fornece o antídoto: notícias e análises verificadas, científicas e baseadas em fatos”, destacou Guterre.
O antídoto contra a desinformação vem das apurações embasadas em fontes científicas divulgadas nos veículos tradicionais e também nos independentes, pelas checagens realizadas por agências de fact checking e sites. Apurações com rigor e que estão sendo executadas com muita maestria. Jornalistas têm o trabalho, inclusive, de desmentir e checar falas de autoridades políticas, como o presidente da república. Jair Bolsonaro, ciente do seu poder de influência em virtude do cargo que ocupa, distorceu falas da Organização Mundial da Saúde sobre isolamento, recomendou o uso de cloroquina, quando nem a comunidade científica ainda havia se pronunciado, entre outras barbáries. Por agir de maneira irresponsável, Bolsonaro foi inclusive denunciado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), por desinformação e danos à saúde pública.
Sérgio Ludtke, editor do projeto Comprova, destacou, logo após as eleições de 2018, que “para vencer a desinformação, o jornalismo precisa de qualidade e independência, mas precisa, como nunca, ser transparente e aberto”. Com a pandemia, não é diferente. Toda informação publicada requer extrema responsabilidade-principalmente em se tratando de saúde- checagem e respaldo científico. Não é o momento para emissoras e sites reproduzirem jornalismo declaratório, dando espaço e voz a fatos que mais desinformam que qualquer outra coisa.
Abertura de conteúdos e salto na audiência
Com a proposta de democratizar o acesso, e, consequentemente, atingir um público maior, muitos meios de comunicação brasileiros abriram seus conteúdos, seguindo uma tendência mundial. Conforme a Folha, ao menos dez jornais brasileiros liberaram conteúdos pagos sobre o coronavírus a não assinantes. É o caso da própria Folha, da NSC Total, em Santa Catarina, O Globo, Nexo Jornal, entre outros.
A audiência da Folha, em março e abril atingiu dois picos recordes. Foram 73,8 milhões de usuários únicos acessando o site em abril, e 69,8 milhões em março, em virtude, segundo o site, da crise política envolvendo o ex-ministro Sérgio Moro e pelo coronavírus.
Os acessos do Jornal O Globo também atingiram números históricos, com 235 milhões de acessos e 71 milhões de visitantes apenas em março.
A questão para debate é, até quando será economicamente viável aos jornais e sites a liberação desses conteúdos? E, tendo acesso à bons materiais neste período, com o fim da pandemia, o público estará disposto a pagar para continuar se informando?
Cortes e desafios
O aumento de credibilidade e confiança, no entanto, não é o suficiente para conter a crise de governança financeira e de sustentabilidade, enfrentada nos últimos anos, e acelerada em função dos prejuízos econômicos do efeito pandêmico.
Segundo a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), há registro de cortes em jornadas de trabalho e salários, de até 70%,em diversas empresas de comunicação. As medidas se amparam na Medida Provisória nº 936, de 1º de abril.
“Havia um movimento de descrédito no jornalismo profissional, e houve uma retomada dos veículos de comunicação, grandes e pequenos, como fonte de informação confiável. Isso é muitíssimo importante e faz com que a gente questiona ainda mais a posição das empresas de cortarem os salários. É o momento de valorizar o jornalismo e o jornalista”, falou a presidente da FENAJ Maria José Braga, em entrevista ao Knight Center. A Federação, inclusive, lançou um Manifesto chamado #jornalistassalvamvidas para valorizar a atividade profissional de repórteres e editores, frente a tantos desafios.
Se por um momento, pensamos que a credibilidade e confiança poderiam salvar o jornalismo, por outro, sabemos que desafios ainda maiores virão. Muitos falam que haverá um sistema de saúde antes e depois da pandemia. Esperamos que o valor do jornalismo também seja medido de outra forma com o fim desta situação, e que os profissionais tenham seus direitos de trabalhar com liberdade e dignidade, assegurados.
O momento atual servirá ainda, como base para reflexões que passam pelo respeito e fortalecimento da ciência e da imprensa, que, em tempos negativistas e de enfraquecimento democrático, são atacadas constantemente, mesmo salvando tantas vidas por meio de seus ofícios.