Carlos Marciano
Doutorando em Jornalismo na UFSC

A pandemia da Covid-19 tem mudado não só o modo como as pessoas precisam relacionar umas com as outras fisicamente, como também requisitou uma estruturação dos governos em diversas áreas, a fim de zelar pela vida daqueles que os elegeram. Bem, assim deveria ser, ao menos.

Ficar sempre online antes do coronavírus era um distanciamento social até mal visto pelas pessoas, hoje é mais do que necessário, se quisermos voltar um dia a trocar apertos de mão e abraços com familiares, amigos e colegas de trabalho.

A imprensa, de todo o mundo, tem feito o seu papel de orientar e informar nessa circunstância, mas então, por qual motivo ainda vemos tantas pessoas contrariando as medidas de prevenção? Será que os dados crescentes de contaminados não é suficiente? Quantas covas mais ainda precisarão ser abertas?

No Brasil, um comentário recorrente entre os que furam o isolamento e anseiam pela liberdade, “tirada” por causa das medidas de prevenção, é de que o pico da pandemia vive sendo postergado pela mídia. Talvez a indignação por não conseguir ir ao shopping matar o tempo tenha tomado o espaço do discernimento e interpretação, afinal, o fato do pico ainda não ter sido atingido é um dos pequenos alentos diante dessa crise da saúde mundial. Não é uma mentira da mídia, é uma constatação de que o isolamento social funciona.

Apesar disso, enquanto em outros países os governantes tentam controlar a situação estimulando o distanciamento e demonstrando diligência para com seu povo, aqui temos um presidente que desde o começo desdenha do fatídico poder que o vírus tem.

Já ouvimos ele falar que a pandemia mundial é só uma “gripezinha”, que a mídia propaga alarde, que o brasileiro é protegido do vírus e tem imunidade até para entrar e sair do esgoto.

Quando em 28 de abril o Brasil ostentou o triste título de passar a China no número de mortes, não houve um apelo para as pessoas se cuidarem, um pronunciamento que reforçasse as medidas necessárias ressaltadas pelo próprio Ministério da Saúde. Seria esse o mínimo esperado do chefe de governo que preza pelo bem do seu povo. Ao contrário, tivemos uma tirada de corpo da reta com um sonoro “E daí? Eu sou Messias, mas não faço milagres”.

Temos no país um chefe de governo mimado, que tira ministro por ser contrário à sua opinião, que responde sobre suas atitudes com agressividade, que trata a mídia questionadora com ataques ao invés de explicações.

O reflexo disso, um pensamento coletivo entre os seus apoiadores de que ele tem sempre a razão, independente dos fatos e números ressaltados na impressa, afinal, toda mídia contrária ao governo é mentirosa.

Apoiadores não só de redes sociais, mas truculentos ao ponto de hostilizar e agredir profissionais da saúde que lutam diariamente para salvar as vidas desdenhadas pelo presidente. Cegos, (por ignorância, opção, ou seja lá qual motivo for), criticam a mídia por retratar a triste realidade a qual nos encontramos, e espalham fakenews como contraprova do argumento noticiado.

Saem para a rua sem necessidade, sem as devidas máscaras, colocam em risco outras pessoas. Defendem que sejam retomadas as atividades econômicas em sua totalidade, pois sabem que, como CNPJ, poderão ficar dentro de suas casas e se algum CPF for pego pelo vírus é só substituir por outro.

Necessitamos agora do distanciamento social, mas precisamos ficar bem perto da realidade a qual nos assola. E nessa, informando sobre os números de feridos e curados na guerra contra a Covid-19, a imprensa tem cumprido o seu papel.

Os casos de morte e diagnósticos pelo coronavirus, infelizmente, ainda não caíram. Como uma grandeza diretamente proporcional, a arrogância e desdém nas falas do presidente sobre o assunto também cresce a cada dia.

Temendo pela queda da economia, suas atitudes e de seus apoiadores colocam cada vez mais em risco aqueles que a podem reerguem. Crises econômicas passam, mas para sair delas é necessário que a mão de obra sustentadora se mantenha viva. Aos que sempre defenderam a lei de talião e hoje ignoram os efeitos do coronavírus, saibam que se chegarem a ser acometidos por ele só os humanos podem ficar cegos e banguelas.

Entre mortos e recuperados da Covid-19, até que a curva caia, infelizmente ainda veremos muitas pessoas contrariando as orientações dos órgãos de saúde, estimulando o uso de medicamentos não comprovados e quebrando as regras de distanciamento social.

Aos olhos do mundo, os números de mortes no Brasil são alarmantes e exigem medidas de prevenção. Ao que parece, aos olhos do nosso presidente a pandemia continua sendo invenção da mídia, pois ele considerou que mal nenhum faria ao ir no meio da multidão, no último domingo (24) pela manhã.

Por coincidência ou ironia do destino, no mesmo dia seu suposto aliado Trump anunciou que irá barrar a entrada de brasileiros nos EUA, para evitar maior disseminação do coronavirus no país.

Assim, mesmo diante dos ataques e desdém do nosso governante, só resta a imprensa manter-se firme ao juramento de zelar pela informação de qualidade e interesse público. Os números causam tristeza, é fato, mas se a mídia os ignorar as consequências tendem a ser piores, pois as pessoas podem entrar em um estado de conformismo e percepção de uma sociedade imunizada, o que não existe no momento.

Nesse futuro incerto em que só os cuidados com os doentes e a prevenção pode minimizar os danos, disseminar informações confiáveis e as precauções contra a Covid-19 é fundamental.

Porém, enquanto existir o pensamento de que no rio do coronavírus a economia é que merece prioridade de travessia, infelizmente, é o povo brasileiro que será usado como boi de piranha.

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