Luis Alberto Fernández Silva
Jornalista cubano, doutorando no POSJOR e pesquisador do objETHOS

Até o momento em que escrevo sobre a repercussão midiática do julgamento e a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, minha rotina diária tem se concentrado na realidade que vive o Brasil nesses dias. Para mim, como cubano morando neste país, viver de perto as múltiplas expressões, tanto de amor e fidelidade quanto de ódio e arbitrariedade, dedicadas ao mesmo sujeito, me remetem a sensações similares às que em algum momento senti pelo líder da Revolução do meu país. A diferença é que os meus registros emotivos são de gratidão e não de ódio, mas sou ciente que nem todos os cubanos concordam comigo em suas emoções. Também sei que essas diferenças fazem parte das divergências nas posições políticas de cubanas e cubanos e nas práticas discursivas geradas a partir de suas localizações.

Tendo em conta essas diferenças, minha condição de jornalista direciona meu olhar para como os acontecimentos da detenção do líder petista têm sido compreendidos e visualizados pelo jornalismo cubano. Meu percurso, totalmente arbitrário, me leva primeiramente a localizar os olhares de fora da Ilha, mas construídos por cubanxs. Um deles é o site 14ymedio, (http://www.14ymedio.com/internacional), liderado pela blogueira e reconhecida jornalista Yoani Sánchez. Acredito que ela é responsável em grande medida pela visão de Cuba que é partilhada por alguns brasileiros.

Nele, pude perceber como a abordagem da prisão de Lula Da Silva responde a uma clara tomada de posição do veículo jornalístico que faz apelo ao posicionamento binário (comunista corrupto/capitalista honrado). Isso se pode conferir na localização outorgada às chamadas das notícias de Lula, as que são colocadas em alternância com várias reportagens que estabelecem ligações entre o comunismo e a corrupção, tal é o caso dos materiais que tratam da sentença de 24 anos de cárcere à ex-presidente da Coreia do Sul por corrupção (http://www.14ymedio.com/internacional/expresidenta-Corea-Sur-condenada-corrupcion_0_2413558624.html), das sanções dos Estados Unidos a funcionários russos pela desestabilização nas sociedades democráticas ocidentais (http://www.14ymedio.com/internacional/EE-UU-oligarcas-funcionarios-desestabilizacion_0_2413558627.html), assim como a quebra das relações econômicas da Venezuela com Panamá (http://www.14ymedio.com/internacional/Venezuela-economicas-Panama-Copa-Airlines_0_2413558625.html). Isto situa o julgamento de Lula num cenário de ações de corrupção de líderes associados ao comunismo como russos, venezuelanos e sul-coreanos.

De igual forma, as notícias relacionadas ao ex-presidente brasileiro são ligadas com palavras como “prisão” e “derrota política”, marcando um pré-condicionamento na leitura e uma polarização na compreensão dos fatos que são apresentados. Uma outra característica que distingue a abordagem dada por essa mídia é que ela apenas dá conta da fase de encarceramento do Lula, apagando assim a cadeia de fatos que antecedem ao seu julgamento e que explicariam esse suposto desenlace.

O destaque da permanência de Lula na prisão também é focado no Diário de Cuba  (http://www.diariodecuba.com/internacional/1523135635_38581.html), que salienta o número de feridos nos confrontos entre os seguidores do líder e a Polícia Federal em Curitiba. Dessa forma, a abordagem localiza o processo de detenção do ex-presidente brasileiro em meio a um contexto caótico e violento, que apaga totalmente as inúmeras amostras de apoio popular.

As particularidades identificadas nesses primeiros meios de comunicação, de uma clara posição de direita, redirecionaram meu olhar a outras mídias com um posicionamento menos conservador. Isso me fez visitar portais como OnCuba (https://oncubamagazine.com/noticia/lula-se-entregara-insiste-inocencia/) e Cartas desde Cuba (http://cartasdesdecuba.com/lula-a-prision-un-aviso-para-rebeldes/), que contam com abordagens críticas que tensionam os argumentos que muitas vezes são apresentados pelas mídias de esquerda, tais como a imprensa oficial cubana.

Con Lat Reacciones en Brasil .png

Me deparei com trabalhos jornalísticos que, apesar de não dar conta de forma sistemática do acontecido nas várias jornadas do pedido de habeas corpus, fazem uma análise equilibrada e aprofundada do cenário político e legal brasileiro. O tratamento jornalístico leva em consideração as múltiplas forças presentes nesses acontecimentos e desvela as relações com o movimento social da esquerda no Brasil, com o próximo período eleitoral e com a Operação Lava-Jato, o que permite ter uma compreensão menos polarizada que as desenvolvidas pelos veículos referenciados inicialmente.

Na última fase do meu percurso pela cobertura à prisão de Lula pelos meios cubanos, naveguei por algumas mídias oficiais de Cuba. De uma postura de esquerda, os meios de imprensa da Ilha como Granma (http://pt.granma.cu/mundo/2018-04-06/lula-e-o-crime-da-esquerda), Cubadebate (http://www.cubadebate.cu/noticias/2018/04/07/lula-vuela-a-curitiba-para-ser-arrestado-por-la-policia-federal/#.WsoLIYjwbIU), Cubainformación (http://cubainformacion.tv/index.php/internacionalismo-cubano/78881-cuba-expresa-su-solidaridad-y-apoyo-al-companero-lula), Juventud Rebelde (http://www.juventudrebelde.cu/internacionales/2018-04-05/lula-podria-ser-injustamente-enviado-a-prision-ya), entre outros, ofereceram uma cobertura extensa dos dias em que o pedido de habeas corpus do líder petista foi negado. Nessas mídias vemos particularidades do sistema judiciário brasileiro e a presença nele das várias forças que tentam socavar o projeto político da esquerda. De forma reiterada foi ressaltado o apoio popular mostrado ao líder do Partido dos Trabalhadores (PT), o caráter injusto da sua condenação e as implicações que este novo cenário traz para as lutas sociais do Brasil.

As mídias oficiais cubanas também reproduziram o comunicado emitido pelas frentes Brasil Popular e Povo sem Medo, onde foram expostos os princípios da mobilização das forças progressistas no país e em apoio à luta pelo restabelecimento da democracia. De igual forma expuseram o posicionamento de Cuba ao visualizar a mensagem oficial do Ministério de Relações Exteriores em apoio ao líder operário e o respaldo de instituições como o centro ecumênico de Cuba Martin Luther King.

Em resumo, neste percurso pela cobertura jornalística cubana ao processo de prisão do ex-presidente Lula, pude conferir, além da diversidade de abordagens com base em posições ideológicas divergentes, uma prevalência de perspectivas de análise que dão conta da complexidade do cenário político e jurídico do Brasil. A sua emergência põe em tensão não somente suas várias possibilidades de leituras e de análise, mas também colocam em confronto posicionamentos éticos e políticos que marcam o exercício profissional do jornalismo. O que aconteceu no Brasil nesses últimos dias, sem dúvida, vai marcar uma época e até talvez uma nova fase das lutas sociais no país, o que implica ter clareza das forças e interesses que tem intervindo nessa realidade para sua melhor compreensão. Nesse aspecto, o jornalismo, feito em Cuba ou pelos pelos cubanos, pode contribuir com essa memória histórica que nos implica a todos. Hoje, sou eu quem desloca minhas rotinas pela realidade brasileira, talvez amanhã sejam os brasileiros os que dêem conta da minha realidade.