Um conjunto de organizações da sociedade brasileira elaborou uma nota de repúdio às alterações do acesso à informação, editadas na Medida Provisória nº 928. A Rede Nacional de Observatórios da Imprensa (Renoi) é uma das signatárias da nota coletiva, e o Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), membro da Renoi, reproduz a seguir a nota.

As organizações e especialistas abaixo manifestam seu repúdio às alterações dos procedimentos de acesso à informação feitas pela Medida Provisória (MP) Nº 928. O texto publicado no último 23 de março de 2020 ataca gravemente os mecanismos de acesso à informação e de transparência pública. Pelos motivos apresentados abaixo, exigimos revogação do trecho que inclui o artigo 6º-B na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.

1. Não há exposição de motivos para a inclusão do artigo. Esse item, que normalmente acompanha uma MP, é fundamental para a sociedade compreender a finalidade da medida e os critérios usados pela administração pública para adotá-la.

2. O texto é vago, prejudicando o procedimento de acesso a informações. O art. 6º-B determina a priorização de respostas a pedidos relacionados às medidas de enfrentamento da pandemia, mas não especifica como isso ocorreria, se o prazo para resposta seria menor e quais os critérios para essa priorização. O texto não explicita se a priorização afeta apenas informações sobre saúde ou também alcança assuntos igualmente importantes que tangenciam o combate à Covid-19 – como economia, geração de renda e condições de compras públicas em situação de emergência. Ao não apontar como faria a priorização dos pedidos, não deixa claro se haveria necessidade de o solicitante expor os motivos pelos quais seu pedido se relaciona com a pandemia – o que seria contrário ao art. 10, § 3º, da própria Lei de Acesso à Informação (LAI).

3. O texto é contraditório e abre brecha para omissões indevidas a pedidos de informação. O caput do novo art. 6º-B da Lei nº 13.979/2020 indica que serão priorizados os pedidos relacionados com as medidas de enfrentamento da pandemia. Mas o inciso II do §1º determina a suspensão do prazo determinado pela LAI justamente quando a resposta ao pedido necessitar de envolvimento de agentes públicos ou setores dedicados às medidas de enfrentamento. Na prática, os prazos para o atendimento de pedidos relacionados com as ações de combate ao coronavírus estariam suspensos sob uma retórica de priorização. É de fundamental importância que o governo federal e especialmente o órgão coordenador da política de acesso à informação, a Controladoria Geral da União, garantam condições para os servidores possam, em segurança, atender a tais demandas – sejam os que estão no combate direto, sejam os que estão executando as funções administrativas em teletrabalho.

4. Exclui a possibilidade de recurso, impedindo cidadãos de questionar negativas a informações ou não atendimento a pedidos. Somada à falta de critérios claros de aplicabilidade da nova norma, o fato de a MP estabelecer que não serão sequer avaliados os recursos contra negativas ou omissões de informação nas condições do artigo 6º-B sepulta as chances de o cidadão acessar informações caso discorde com as decisões do governo. E contraria a determinação da LAI, que garante a apresentação de recursos como um direito.

5. Impõe ao cidadão a obrigação de buscar a transparência que deveria ser fornecida pelo poder público. Ao estabelecer que os pedidos não respondidos no prazo devem ser reiterados em até dez dias passada a calamidade, possibilita que todas as solicitações feitas no período sejam ignoradas, a menos que a pessoa se lembre de refazê-la, findo o decreto de emergência – quando a informação poderá deixar de ser útil e estar desatualizada.

6. A MP foi construída e imposta sem transparência ou diálogo com a sociedade civil. A CGU conta com um Conselho de Transparência, cujo propósito é justamente discutir esse tipo de medida com a sociedade civil e garantir a participação social, mas nem o colegiado, nem outras instâncias de participação foram consultados.

7. A medida vai na contramão das iniciativas de governo aberto que estão sendo adotadas por diversos países. As ações – disponíveis aqui – são incentivadas pela Open Government Partnership (OGP), parceria internacional de governo aberto da qual o Brasil faz parte. Com essa ação, o país também contraria o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 16 presente na Agenda 2030 das Nações Unidas.

Pelos motivos expostos, a MP 928 é desproporcional e viola o direito constitucional de acesso a informações de interesse coletivo. Coloca a transparência e o controle social em um lugar secundário justamente quando a população sofre com a desinformação em meio a uma crise sem precedentes. Isso prejudica o direito das pessoas de ter informação sobre o que está e o que não está sendo feito no país para combater o coronavírus.

Em vez de estabelecer novos procedimentos que dificultam o acesso a informações, o governo federal deveria seguir o exemplo dos países que foram mais bem-sucedidos no combate à COVID-19 (Coronavírus) e ampliar a transparência, orientando estados e municípios a fazer o mesmo.

A divulgação ampla de dados, especialmente em formato aberto (como boletins epidemiológicos; testes administrados e disponíveis; metodologia da coleta de dados; contratos e informações sobre compras públicas e orçamento; status de ocupação dos leitos nos hospitais, principalmente nas UTIs, etc), pode eliminar uma eventual sobrecarga de pedidos de informação e a necessidade de ajustes em prazos e procedimentos.

Dessa forma, repudiamos o artigo 6º-B da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, estabelecido pela MP 928, e defendemos enfaticamente sua revogação imediata. Além disso, esperamos medidas que visem o aprimoramento da transparência ativa, bem como os mecanismos e instrumentos necessários que os servidores tenham plenas condições de cumprimento da lei sem que tenham sua segurança comprometida. Não se pode instituir um regime de operação paralelo à LAI, nem tampouco retroceder nas conquistas sobre transparência alcançadas pela sociedade, especialmente em um momento de evidente crise.

Assinam a nota (em ordem alfabética): 

  1. Ação EducativaAssessoria Pesquisa e Informação
  2. ANDI – Comunicação e Direitos
  3. Associação Brasileira de Imprensa
  4. Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo
  5. Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos – ABGLT
  6. Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo – SBPJor
  7. Associação Contas Abertas
  8. Associação de Jornalistas de Educação – JEDUCA
  9. Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo
  10. Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida – Apremavi
  11. ARTIGO 19
  12. Campanha Nacional pelo Direito à Educação
  13. Casa da Cultura Digital Porto Alegre
  14. CDDH Dom Tomás Balduíno de Marapé – ES
  15. Centro de Estudos Legislativos (CEL DCP – UFMG)
  16. Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal de Minas Gerais  (Cdh/UFMG)
  17. Colaboradados 
  18. Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino
  19. Conectas Direitos Humanos
  20. Dado Capital
  21. Fiquem Sabendo
  22. Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários – (FEBAB)
  23. Fórum das Ong Aids do estado de São Paulo – FOAESP
  24. Fórum Paraibano de Luta da Pessoa com Deficiência
  25. Frente Favela Brasil
  26. Fundação Avina
  27. Fundação Grupo Esquel Brasil
  28. Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero
  29. Greenpeace Brasil
  30. Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável (GTSC – A2030)
  31. InPACTO
  32. Instituto Akatu
  33. Instituto Alana
  34. Instituto Bem Estar Brasil
  35. Instituto Beta: Internet & Democracia
  36. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM
  37. Instituto Braudel
  38. Instituto Centro de Vida (ICV)
  39. Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS)
  40. Instituto Educadigital
  41. Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC)
  42. Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
  43. Instituto de Governo Aberto (IGA)
  44. Instituto de Inclusão Cultural e Tecnológica – Tecnoarte
  45. Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola – IMAFLORA
  46. Instituto Não Aceito Corrupção 
  47. Instituto Nossa Ilhéus
  48. Instituto Pro Bono
  49. Instituto Observatório Político e Socioambiental (Instituto OPS) 
  50. Instituto Oncoguia
  51. Instituto Socioambiental (ISA)
  52. Instituto Soma Brasil
  53. Instituto Sou da Paz
  54. Instituto Vladimir Herzog
  55. Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
  56. Justiça Global
  57. Laboratório Analytics (Universidade Federal de Campina Grande)
  58. Laboratório de Inovação em Políticas Públicas do Rio de Janeiro
  59. Laboratório de Legislação & Políticas Públicas (LegisLab – UFMG)
  60. Laboratório de Políticas de Comunicação (Universidade de Brasília)
  61. Lagom Data
  62. Livre.jor
  63. Lobby Para Todos
  64. Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais
  65. Missão Paz 
  66. Observatório do Marajó
  67. Observatório Social de Belém 
  68. Observatório Social de Brasília
  69. Observatório para a Qualidade da Lei (UFMG)
  70. Open Knowledge Brasil
  71. Operação Amazônia Nativa
  72. Plataforma MROSC
  73. Programa Cidades Sustentáveis
  74. Rede Espaço Sem Fronteiras – ESF
  75. Rede Nacional de Observatórios da Imprensa (RENOI)
  76. Rede Nossa São Paulo
  77. Repórter Brasil
  78. Sociedade Maranhense de Direitos Humanos
  79. Terra de Direitos
  80. Transparência Brasil
  81. Transparência Partidária
  82. WWF-Brasil