Jéferson Silveira Dantas
Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisador associado do objETHOS

O que ocorreu no Brasil nas últimas semanas envolvendo a PEC do ‘voto impresso auditável’ (rejeitada pela Câmara dos Deputados), nada mais foi do que uma tentativa enfastiosa e obsessiva do capitão reformado do exército e de seu rebanho aloprado (“toque o berrante”, Sérgio Reis) em desviar a atenção sobre os trabalhos da CPI da Covid-19 e dos descalabros de seu governo que, ao que tudo indica, está imerso numa rede de corrupção extremamente grave.

Todavia, instituições frágeis, tíbias ou coniventes geram tiranos infames e impunes como é o caso do capitão-cloroquina. Se o Supremo Tribunal Federal (STF) não fosse comparte do golpe de Estado em 2016, assim como o parlamento e a mídia hegemônica, talvez estivéssemos num cenário diferente em nosso país. Além disso, em 2018, um tuíte do general Villas Bôas – num desses laivos golpistas e repletos de ameaças fantasmas comunistas – fez com que o STF corroborasse com o cárcere de um ex-presidente, sem a análise minuciosa das peças processuais em julgamento, totalmente viciadas e parciais. Já o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sob a presidência atual de Luís Roberto Barroso – um ministro que se dedica à narrativa no estilo barroco e, portanto, com pouca aderência da sociedade brasileira – se indigna com declarações ofensivas e sem provas de Bolsonaro e só agora o denuncia pelas insistentes divulgações de fake news, que inclusive mudou os rumos das eleições em 2018 em benefício da chapa Bolsonaro/Mourão com o disparo de mensagens falsas pelo Whatsapp pagos pelo empresariado bolsonarista.

Após o recesso dos trabalhos da CPI da Covid-19 e de seu recomeço em agosto de 2021, o que se confirma nesse governo é uma rede de corrupção jamais vista, que alguns meios de comunicação muito apropriadamente denominaram de vacinogate. As frações de classe que apoiam Bolsonaro (evangélicos neopentecostais vinculados à teologia da prosperidade, agronegócio, indústria armamentista e empresariado dos mais diferentes ramos da indústria e comércio) têm as portas abertas em todos os ministérios – e não seria nenhum absurdo a abertura de novas CPIs em outras pastas ministeriais. Durante os dois anos e meio desse (des)governo, o Brasil elevou o seu número de bilionários de 45 para 65 com um patrimônio estimado em mais de US$ 212 bilhões. Alguém duvida ainda para quem Bolsonaro governa? Temos muito circo com direito a tanques desfilando num aleivoso triunfo fálico e intimidando parlamentares. Enquanto isso, o Brasil sofre com a insegurança alimentar para quase 50% da população.

O desmonte dos serviços públicos com a contrarreforma administrativa em curso (PEC 32) e a sanha privatista desse governo predador – tendo como alvo empresas estatais estratégicas como a Eletrobras e os Correios – estão aniquilando o país num curto espaço de tempo. A CPI da Covid-19, em princípio, não teria como finalizar os seus trabalhos, pois a cada momento novas negociatas surgem em detrimento da saúde e da vida dos/as brasileiros/as. A capitã-cloroquina e secretária do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, num desvario psicótico típico do bolsonarismo, chegou a oferecer em plena crise sanitária e falta de oxigênio no Amazonas o kit covid para Portugal. Foi fragorosamente ignorada pelas autoridades portuguesas. Bolsonaro e seus acólitos, dentre eles fardados ressentidos e ultraliberais – e são mais de seis mil nesse governo – perderam totalmente a decência e o papel que as Forças Armadas e, especialmente, o Exército deveriam ocupar no país. Walter Braga Netto, general da reserva e ministro da Defesa (com salário acima do teto dos servidores públicos federais, algo em torno de R$ 133 mil no contracheque de junho de 2021), por exemplo, pensa que continua ocupando a função de interventor, com declarações golpistas e sem nenhum respeito ao ordenamento jurídico constitucional. Aliás, há dois centrões no país: o dos fardados e dos partidos fisiológicos que apoiam Bolsonaro, especialmente o Partido Progressista (PP), ex-Arena. O núcleo militar bolsonarista ‘briga’ por vacinas, mas não aquela que vai ao braço da população brasileira, mas aquela que facilita negociatas e propinas, segundo comentários da senadora Simone Tebet (MDB/MS).

Bolsonaro e o bolsonarismo se utilizam de uma tática que podemos denominar de ‘Estado de Exceção permanente’ ou de ‘tensão permanente’. O capitão reformado do exército vem cumprindo à risca o que vociferou nos primeiros dias de seu mandato: “Eu vim para destruir tudo o que está aí!” E tem conseguido. A boiada está passando em todos os setores da vida pública. O projeto de tornar o Brasil um pária internacional e uma republiqueta de bananas estão sendo, até o momento, vitoriosos.

A CPI da Covid-19 nos deixará uma herança documental importante, mas só isso não basta. Seus desdobramentos devem ser encarados cum grano salis, pois a ala fisiológica parlamentar representada pelo Centrão fará de tudo para impedir qualquer ameaça ao mandato presidencial. Afinal, não é à toa que o agropecuarista e presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL), está sentado sobre mais de 120 pedidos de impeachment e o ‘engavetador-geral’ da República, Augusto Aras, está lá a compor a paisagem do cerrado brasileiro aguardando uma (quiçá) nomeação para o STF.

Por isso, as instituições públicas precisam se fortalecer e os recursos destinados às mesmas precisam chegar às universidades, aos postos e centros de saúde, às creches e escolas da Educação Básica, à agricultura familiar e para obras infraestruturais que beneficiem as camadas sociais mais vulneráveis (saneamento básico, moradia, etc.). Movimentos sociais precisam se reorganizar  e a politização precisa, efetivamente, fazer parte da vida do/a brasileiro/a. Afinal, nada melhor para um governo protofascista ou neofascista do que a alienação em larga escala.

Parodiando o documentarista estadunidense, Michael Moore, está mais do que na hora de Bolsonaro e o bolsonarismo devolverem o nosso país!