Leonel Camasão
Mestre em Jornalismo e pesquisador do objETHOS

Há 15 dias, os servidores municipais de Florianópolis estão em greve. Protestam contra um projeto do prefeito Gean Loureiro (MDB) que permite a terceirização de todos os serviços de saúde, educação, assistência social, esporte, cultura, proteção e preservação do meio ambiente e desenvolvimento tecnológico no âmbito municipal. Apesar de tratar as terceirizações de forma global, a comunicação da Prefeitura optou por dar um recorte específico às propagandas, nomeando a iniciativa como “Creche e Saúde Já”. Segundo a agressiva campanha publicitária, a terceirização seria a única maneira de abrir dez novas creche e uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) na região continental da cidade.

Enquanto assessor de imprensa do líder da oposição na Câmara de Vereadores, estive muito atento à cobertura sobre o assunto, em especial, na televisão. O desequilíbrio em favor da aprovação da iniciativa por parte da imprensa é visível a olho nu. Não precisa ser Mestre em Jornalismo nem pesquisador da área para perceber como a imprensa local comprou imediatamente o discurso da Prefeitura de Florianópolis.

Essa percepção me gerou grande incômodo. Telefonei ao editor-chefe do Bom Dia SC – maior jornal televisivo da emissora – e perguntei abertamente: “quando vocês vão ouvir a oposição?”. Evasivas para lá e para cá, desligamos. Dias depois, decidi analisar mais a fundo a qualidade deste desequilíbrio. Afinal de contas, por estar imerso na situação, eu poderia estar sendo injusto. Meu olhar poderia estar contaminado.

Não estava. Analisei toda a cobertura de TV da NSC nos seus dois principais jornais. O “Bom Dia SC” e o “Jornal do Almoço”. Entre os dias 12 e 24 de abril, foram mais de 72 minutos dedicados à cobertura do projeto e da greve dos servidores.

Deste montante, apenas 30 segundos (menos de 1% do tempo) foi dedicado a ouvir vozes contrárias ao projeto. O presidente do Sindicato dos Servidores Municipais, Renê Muraro, falou por 24 segundos ao longo de nove edições do “Bom Dia SC”. Um vereador de oposição, por seis segundos.

Por outro lado, as vozes favoráveis à terceirização e contrárias a greve somaram mais de 12 minutos do total da cobertura. O principal defensor da proposta no “Bom Dia SC” não foi o prefeito Gean Loureiro, mas sim, uma prata da casa, o comentarista Renato Igor.

O tempo dedicado a vozes favoráveis ao projeto foi 25 vezes maior do que o tempo dado aos oposicionistas. Não há explicação plausível para tal desproporção.

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Tempo de fala no “Bom dia SC”.

Já no “Jornal do Almoço”, a divisão do espaço foi menos desigual. Em 58 minutos de cobertura no mesmo período, a oposição ao “Creche e Saúde Já” falou por pouco mais de três minutos, enquanto o discurso governista ganhou quase oito minutos. Comparada à cobertura do “Bom Dia SC”, o “Jornal do Almoço” foi bem mais generoso com os que se opõe às organizações sociais. Mas é inexplicável como o discursos pró terceirizações ganhou o dobro do tempo.

Em várias oportunidades, os âncoras do “Bom Dia” perguntavam, retoricamente, como podia um sindicato descumprir uma decisão judicial, se referindo a uma decisão liminar que ordenava o retorno ao trabalho. O questionamento, que tem o efeito de gerar indignação, era complementado pelas entrevistas e comentários falando em “ditadura sindical”.

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Tempo de fala no “Jornal do Almoço”.

O tom de criminalização dos sindicatos, manifestantes e dos oposicionistas em geral encontra lastro no seleto grupo de colunistas, que repetem a mesma nota.

Nesta terça-feira, o Sintrasem lançou nota intitulada “Jornalismo de um lado só”. No texto, criticam duramente a cobertura da imprensa. “Há muito tempo que a mídia de Florianópolis funciona assim: o governo fala e os colunistas defendem. É o clássico jornalismo comprado que fala com um lado só. Foi assim com o Plano Diretor, com o Pacotão do Gean e com a transformação da Comcap em autarquia”, afirmam.

NSC não cumpre lei de transparência

Outro elemento importante de controle social da imprensa foi instituído em Florianópolis, por lei municipal. A Lei da Transparência na publicidade entrou em vigor em 2017, e obriga veículos e a Prefeitura a informarem quanto gastam na publicidade oficial.

O texto da lei prevê que sejam informados os valores de produção e de veiculação da propaganda. Mesmo assim, são recorrentes na NSC comerciais da Prefeitura que não informam o valor da veiculação.

Não é segredo que os contratos de publicidade foram turbinados às vésperas do lançamento do “Creche e Saúde Já”. No atual contexto brasileiro, a necessidade de novos veículos de comunicação, comprometidos com o jornalismo e com o equilíbrio da cobertura, se faz cada vez mais necessário.