Dairan Paul
Mestre em Jornalismo pelo POSJOR e pesquisador do ObjETHOS

Uma ética jornalística global, aberta ao diálogo e que inclua não-jornalistas é a ideia central das últimas pesquisas realizadas por Stephen Ward, professor da Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos. Com uma passagem de 14 anos pelas redações e um doutorado em Filosofia, Ward tem se dedicado a discutir o futuro da ética no jornalismo e seus impactos práticos. Em 2005, publicou The invention of journalism ethics para discutir o ambíguo conceito de objetividade, propondo um conceito pragmático. Nos anos posteriores, seus trabalhos apontaram para a possibilidade de construir uma ética global para o jornalismo, através de princípios universais mínimos. Ward também desenvolve o conceito de escuta (listening) nas redações, como um modo de ampliar o diálogo entre profissionais e cidadãos sobre as práticas jornalísticas.

Na entrevista a seguir, o pesquisador comenta alguns pontos de Radical Media Ethics, seu livro mais recente, de 2015. Ward propõe uma rediscussão radical sobre a ética, o que perpassa, antes de tudo, novas definições sobre o que é o próprio jornalismo. Confira:

Em Radical Media Ethics, o senhor argumenta sobre a necessidade de mudarmos radicalmente nossas noções sobre a ética jornalística. Por que o senhor opta pela abordagem holística para sustentar essa visão? 

Eu escolho a abordagem holística porque as mudanças no jornalismo foram tão profundas que as tentativas fragmentadas de mudar a forma como pensamos sobre o bom jornalismo ou estão desatualizadas ou se aplicam a um subconjunto de formas hoje em encolhimento, como o jornalismo dos jornais impressos. A ética jornalística profissional tem mais de um século de vida e foi dominada por princípios amplamente contestados como, por exemplo, uma objetividade [que represente] “apenas os fatos”, ou uma neutralidade estrita. Claro, a alternativa não é simplesmente dizer que “tudo vale” no jornalismo e que nós deveríamos ser injustos e partidários. Nós já vimos como é essa forma de jornalismo nos Estados Unidos, e ela não é legal. Então é preciso um pensamento filosófico de natureza radical, repensando a própria ideia do que significa jornalismo e para que ele serve. Em meus trabalhos, eu ofereço a minha própria resposta para essa questão, não de um modo dogmático, como se ela fosse a única possível, mas como um estímulo para que outros se engajem nestas questões e façam suas propostas.

O senhor também apresenta o conceito de “ética integrada de mídia”, ou seja, uma ética que inclua não-jornalistas e jornalistas. Baseado em quais princípios normativos nós podemos unificar estes dois grupos, uma vez que a deontologia compete apenas aos profissionais?

Em Radical Media Ethics, e em outros textos, eu proponho alguns princípios gerais para começar o processo de reconstrução. Mas eu quero advertir que estes princípios são um problema para trabalhos futuros, através de diálogos inclusivos, não um “Stephen Ward legislando para jornalistas” em um a priori, de modo não-dialógico. Alguns princípios têm a ver com a nossa concepção do que é a ética: a ideia da ética como intrinsecamente histórica, não-absoluta, sempre aberta para revisão; a ideia da ética com um domínio social da argumentação não-dedutiva e imperfeita que está longe de ser apenas “meramente subjetiva”; a ideia de que o objetivo último do jornalismo é agora global, baseado na ética cosmopolita; a ideia de reduzir a importância que o patriotismo tem desempenhado no jornalismo; a ideia de um jornalismo democrático e dialógico; a ideia de uma “objetividade pragmática” como um método distinto para múltiplas formas de jornalismo que são ao mesmo tempo informativas e engajadas, não apenas uma “estenografia” neutra dos fatos; e a ideia de que nós precisamos construir coletivamente um espaço para uma nova ética global para o jornalismo.

Ao final de Radical Media Ethics, o senhor propõe o florescimento humano como a última finalidade do jornalismo. Essa abordagem é baseada na ética da virtude de Aristóteles?  

Tem suas inspirações no pensamento ético grego em geral e, sim, especialmente com Aristóteles – a ideia de que o bem humano é crucial para tudo o que fazemos, e que é um problema de reflexão, não uma dedução filosófica das formas platônicas. Não importa o quão cínico sejamos em relação à ética, nós estamos pessoalmente e inescapavelmente envolvidos em um projeto de sermos mais do que somos. Nós somos, como diz Platão, um ser que existe entre o não-ser e a realidade plena. Nós somos, como eu digo, “tolos metafísicos” que não conseguem parar de tentar melhorar a si mesmos e ao mundo, a despeito de inúmeras falhas do passado. É claro que há várias outras fontes da “teoria do florescimento” em que me inspiro. Penso que a noção de florescimento é ampla o suficiente para formar uma base para a ética global e a ética global de mídia.

O senhor também já escreveu sobre o conceito de “escuta” (listening) como uma abordagem possível para um jornalismo efetivamente dialógico. Quais exemplos considera que seguem essa ideia, atualmente?

Certamente, serviços públicos em vários países, da BBC na Inglaterra ao CBC no Canadá, ainda constroem formatos para discussão e apresentação da informação, e ideias a partir de um modelo baseado na escuta. Lembre-se, ser uma mídia “de escuta” não se refere apenas ao conteúdo, mas ao modo como a mídia programa ou estabelece formatos de jornalismo – ou seja, encorajar o aprendizado e o diálogo através de nossas diferenças. Eu também vejo websites ao redor do mundo, como de direitos humanos, que fazem parte dessa perspectiva dialógica da escuta.

O senhor já mencionou que redações jornalísticas do futuro vão praticar um “jornalismo em camadas” (layered journalism), o que unificaria diferentes formas de jornalismo e diferentes tipos de jornalistas, incluindo os chamados “jornalistas-cidadãos”. Qual é o limite – se é que há – para considerar uma prática como “jornalística”?

Não há limite, exceto se algo se aplica a uma definição ampla e plausível de jornalismo que eu tento formular em Radical Media Ethics. No livro, eu estabeleci uma definição de dois passos sobre jornalismo como uma forma de comunicação. Eu não começo tentando dizer quem é jornalista. Esta abordagem apenas leva a disputas que não se resolvem sobre quem pode chamar a si mesmo de jornalista. Ao invés disso, atento para a atividade do jornalismo em si mesmo – definido minimamente como a escrita de acontecimentos e questões de interesse público para um público, e que pode ser desempenhada por alguém ocasionalmente ou como um trabalho. Então eu argumento que, paradoxalmente, nós devemos adicionar uma estipulação normativa: que tal atividade deve seguir certas normas gerais de boa comunicação e de jornalismo público.

Minha resposta é que várias formas de escrita podem ser consideradas jornalismo se elas puderem ser consideradas “atos de jornalismo”. Então nós respondemos a questão de “quem é jornalista” deste modo: um jornalista é alguém que comete regularmente estes atos de jornalismo. Às vezes, pessoas (especialistas, políticos, advogados, cidadãos) cometerão atos de jornalismo aqui e ali, como, por exemplo, ao escrever editoriais.